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O meu exame veio alterado!! E agora??

  • Foto do escritor: Dr Rodrigo Lanna
    Dr Rodrigo Lanna
  • 3 de mar. de 2023
  • 4 min de leitura

Exames de laboratório ou de imagem são, realmente, muito importantes para nos ajudar a proporcionar um melhor cuidado de saúde. Devemos sempre ter cuidado, pois exames também estão sujeitos a falhas e podem mais nos confundir do que ajudar.





Como funcionam os exames em medicina?

Pode até parecer um clichê a frase de que “todo exame tem uma indicação precisa” ou então uma frase frequentemente vista em laudos “este é um exame complementar, os resultados deverão ser avaliados pelo médico”.

O principal ponto é entender que os exames, sejam laboratoriais (exames de sangue, urina, fezes), sejam de imagem (tomografia, ressonância, ultrassonografia) não definem um diagnóstico. Eles contribuem com informações que, dentro do contexto da clínica do paciente, nos aproximam ou afastam de uma hipótese.




Essa ideia é confusa, porque se baseia em uma lógica estatística, e nossa mente não consegue assimilar bem estes conceitos (uma dica de leitura sobre este tema é o livro Rápido Devagar, de Daniel Kahneman).

De uma forma mais simplificada, vamos pegar o exemplo de uma ressonância do coração com uso de contraste, que mostra uma área no músculo cardíaco colorida pelo contraste. Esta imagem pode representar uma área de infarto, de miocardite (inflamação do coração) ou uma área antiga de cicatriz.

O que definirá qual o diagnóstico mais provável (e, claro, aqui trata-se de uma simplificação) será, entre outras coisas, a história apresentada pelo paciente.

Se for um paciente mais idoso, com história de colesterol elevado, pressão alta e diabetes, que chega ao pronto-socorro com dor no peito, muito provavelmente a imagem está relacionada a um infarto. Agora, se for um paciente jovem, que teve exposição a uma infecção viral nos dias anteriores, o diagnóstico de miocardite se torna mais provável.

Sinal e ruído

O termo relação sinal-ruído é frequentemente usado na operação de radares. Por exemplo, um radar de aeroporto tem que detectar aviões que estão por perto, para definir as rotas mais seguras e as sequências de pouso e decolagem. Pelo seu poder de detecção, muitas vezes pássaros ou drones podem ser detectados como aviões. Aliás, muitas destas detecções de radares de objetos outros que não aviões, é o que, por vezes, chamamos de objetos voadores não identificados.






Outro exemplo é um simples alarme de carro. O seu objetivo é nos avisar que alguém está mexendo no nosso carro, mas, vez ou outra, um trovão ou vento mais forte leva o alarme do carro a disparar, sem que ninguém tenha mexido nele.

Qual o motivo do alarme disparar? Se estivermos em um bairro de alta criminalidade, em um dia sem trovões ou ventos fortes, é bem provável que seja um furto. Se estivermos em um local muito seguro em um dia de ventania, é provável que não haja nenhum ladrão. Se for um bairro extremamente seguro e não houver vento, ainda pode haver outra explicação, por exemplo, um gato que entrou no motor.

A ocorrência de exames alterados, mas que não tem nenhum significado clínico relevante é algo comum em medicina. Recebem o nome de Falso positivo. Existem inclusive cálculos estatísticos que conseguem quantificar a sua ocorrência.

Vamos avaliar o exemplo do exame chamado dímero-D

O dímero-D é um exame muitas vezes associado com trombose, o que não é verdade. A substância chamada dímero-D é tecnicamente classificada como um “produto de degradação da fibrina”. A fibrina é uma das substâncias importantes para a coagulação do sangue. Quando nos ferimos, a fibrina junto às plaquetas terá o papel de impedir que o sangramento vire uma hemorragia. Por outro lado, esse processo de coagulação não pode seguir para sempre, sem controle. Caso contrário, o coágulo cresceria indefinidamente e atrapalharia a circulação.

Nosso corpo conta com um sistema de controle, que limita este crescimento desregrado dos coágulos. A partir de determinado ponto, nosso corpo começa a dissolver parte do coágulo formado em excesso. Esse sistema funciona como se fosse o ladrão de uma caixa d’água, impedindo que ela transborde. Ele faz isso quebrando (degradando) a fibrina do coágulo, e uma das substâncias que sobra deste processo é o dímero-D.

Uma forma mais visual de pensar nesse processo é imaginar que estamos assando um pão e que este deve caber na forma que escolhemos. Na medida em que ele assa, ele vai aumentando de tamanho e começa a transbordar. Então optamos por tirá-lo do forno e cortar alguns pedaços com uma faca. Voltamos ele para o forno e vamos repetindo o processo quantas vezes for necessário. Neste exemplo, o dímero-D é o farelo do pão.

Exemplos de outras coisas (além da trombose) que causam aumento do dímero-D são:


  • Gestação

  • Cirurgias recentes

  • Fratura de ossos

  • Traumas físicos

  • Doenças auto-imunes como artrite reumatoide

Este é um fato tão bem estabelecido, que se recomenda não usar o dímero-D na avaliação de uma possível trombose em pessoas que fizeram uma cirurgia ou sofreram uma fratura recentemente.

Mais um detalhe importante: como dito, é possível estimar por cálculos a probabilidade de ocorrência de um resultado falso positivo, no caso do dímero-D o falso positivo ocorre em taxas que vão de 40% a 60% (KABRHEL, C. 2013), a depender do quadro clínico do paciente. Sim, em algumas situações o teste apresenta mais resultados falso-positivos do que verdadeiro-positivos.

Mas, e se o valor do meu dímero-D estiver muito alto?

Este é ainda um outro conceito. Apesar de os valores do resultado serem apresentados, o dímero-D é considerado um teste semi-quantitativo. Isso significa que ele apresenta pontos de corte, mas que os valores por si só não significam muita coisa. No caso do dímero-D, sabemos que valores abaixo de 500 (ou 0,5, a depender do laboratório e do método usado) é muito mais provável de este resultado ser realmente negativo. O outro lado não é verdadeiro e nenhum estudo mostrou que um valor de 1500 está relacionado a ocorrência de complicações ou piora do paciente, se comparado a um valor de 800 ou 700, por exemplo.

Concluindo

Exames são uma grande conquista da medicina e nos ajudam muito, mas são uma ferramenta. Um martelo não é a ferramenta adequada para se fixar um parafuso. O mesmo acontece com exames. Se solicitados de forma inadequada, existe o risco de um resultado muito ruim, o principal deles (que vejo com bastante frequência) é a ansiedade e o susto que a pessoa tem ao ver o resultado, ficando preocupada de ter uma doença grave escondida em seu interior.

Todo exame deve ser precedido de uma avaliação do quadro completo do paciente, isso demanda tempo e atenção para buscar as informações relevantes.






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